Dignidade e cidadania ao portador de transtorno mental

27/09/2010 15:18:30 - Jornalista: Monica Torres

Foto: Kaná Manhães

Caminhada pela Luta Antimanicomial em Macaé

O Programa de Saúde Mental do município, vinculado à Secretaria de Saúde, está em processo de implementação da Residência Terapêutica, locais de moradia (casas) destinadas às pessoas com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e impossibilitadas de retornar às suas famílias de origem.

Vitória do movimento antimanicomial do município, mas também da população de Macaé. A coordenação do Programa de Saúde Mental, juntamente com o Programa de Saúde Coletiva, agora se encontra no processo de procura da casa para ser instalada a residência terapêutica.

Desde 2007 o Programa de Saúde Mental de Macaé vem lutando para instalar as Residências Terapêuticas no município. Um programa do Ministério da Saúde, em parceria com os governos municipais e estaduais, a equipe de profissionais de Macaé é composta por terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e psicólogos, que vêm acompanhando os internos em outros municípios, mas originários de Macaé.

No Dr Eiras, em Parabambi, que chegou a ser o maior hospital psiquiátrico da América Latina e teve como interno o Profeta Gentileza; e na Clínica de Repouso, em Bom Jesus de Itabapoana, estão dois macaenses em cada instituição. Mas a situação mais grave, onde se encontram 15 munícipes, é no Hospital Colônia, em Rio Bonito. Lá estão internadas mais de 400 pessoas em estado de saúde e de vida precários.

“Estão abandonados e em péssimas condições de vida. Parece que o tempo parou no século XVIII para aquelas pessoas; que ainda estão no tempo do Pinel, onde se internavam as pessoas que chamavam de alienadas. Olha que já vi muita coisa como profissional da saúde mental, mas toda vez que vou lá fico impactada”. Quem relata é a gerente do Programa de Saúde Mental do município, Maria Luiza Quaresma.

Agora, um grupo de profissionais contratados, via concurso público, pela Secretaria de Saúde do Estado, realiza um senso com avaliação clínica, em todos os municípios. Este trabalho está detectando a realidade da Saúde Mental no Estado do Rio de Janeiro. Macaé já tem este diagnóstico pronto, que foi promovido pela Secretaria de Saúde municipal.

A partir deste diagnóstico é que foi constatado, por exemplo, a urgência do fechamento do Hospital Colônia em Rio Bonito. Lá, como informa a terapeuta ocupacional Jurema Avelar Mendes, coordenadora da equipe responsável pela Residência Terapêutica aqui no município, os internos estão em isolamento e outros tantos tiveram perda total da identidade:

- Muitos pacientes vêm falar com a gente e quando perguntados seus nomes, respondem o número da enfermaria e do leito que dormem. Não sabem seus nomes, nem têm referências de qualquer parente.

A casa não será um espaço de tratamento, a proposta é que lá se tenha uma vida que remeta ao cotidiano, ao dia a dia: fazer comida, varrer casa, cuidar de plantinhas, paninho em cima do móvel...

A adaptação é difícil, como afirma a assistente social, Carla Ramos, também do Programa, mas o acompanhamento será feito pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Betinho e também pelo PSF local, além da equipe técnica composta por uma psicóloga, uma terapeuta ocupacional e uma assistente social.

Ela ainda informa que o grupo passará por um período de adaptação, pois não têm autonomia por motivos das condições clínicas e psiquiátricas debilitadas: “É uma casa para as pessoas retornarem para seus municípios de origem, não é um espaço de tratamento, uma vez que a família não pode acolher aquela pessoa ou mesmo nenhum parente foi localizado: “Sempre lutamos pela reinserção do portador de transtorno mental à sua família. Isto é fundamental”, finaliza.


RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS

As Residências Terapêuticas foram instituídas pela Portaria/GM nº 106 de fevereiro de 2000 e são parte integrante da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, são centrais no processo de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos dos hospitais psiquiátricos.

Tais casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente destinados aos leitos psiquiátricos. Assim, para cada morador de hospital psiquiátrico transferido para a residência terapêutica, um igual número de leitos psiquiátricos deve ser descredenciado do SUS e os recursos financeiros que os mantinham devem ser realocados para os fundos financeiros do estado ou do município para fins de manutenção dos Serviços Residenciais Terapêuticos. Em todo o território nacional existem mais de 470 residências terapêuticas.

SOBRE A LUTA ANTIMANICOMIAL

O Movimento Antimanicomial tem o dia 18 de maio como data de comemoração no calendário nacional brasileiro. Esta data remete ao Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, ocorrido em 1987, na cidade de Bauru, no estado de São Paulo.
Na sua origem, esse movimento está ligado à Reforma Sanitária Brasileira da qual resultou a criação do Sistema Único de Saúde - (SUS); está ligado também à experiência de desinstitucionalização da Psiquiatria desenvolvidas em Gorizia e em Trieste, na Itália, por Franco Basaglia nos anos 60.

Como processo decorrente deste movimento, temos a Reforma Psiquiátrica, definida pela Lei 10216 de 2001 (Lei Paulo Delgado) como diretriz de reformulação do modelo de Atenção à Saúde Mental, transferido o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos.