logo

14º Festival de Poesia Falada emociona poetas e platéia

20/05/2008 13:00:57 - Jornalista: Andréa Lisbôa

Uma noite especial para os amantes da poesia. O 14º Festival de Poesia Falada de Macaé, que aconteceu no sábado (17), no Teatro Municipal de Macaé, emocionou participantes e platéia pela qualidade dos textos apresentados e interpretações. A poesia vencedora desta edição foi Memória, de Ademir Martins. Segundo o poeta e coreógrafo disse que a inspiração para o trabalho surgiu em uma visita ao Solar dos Mello, sede da secretaria municipal Executiva de Acervo e Patrimônio Histórico, na rua Visconde de Quissamã.

- Passeando pelas salas. Indo e vindo. Vendo as fotografias. Assim a poesia foi chegando para mim. Foi como se escutasse os fantasmas da casa”, explicou Ademir Martins. Ele disse ter ficado emocionado, não somente pela qualidade dos textos e vigor das interpretações, mas também pelo espírito de solidariedade dos participantes. “Apesar de estarem competindo entre si, principalmente os poetas que cursam a Escola de Artes Maria José Guedes torciam uns pelos outros, numa atitude de companheirismo”, disse.

Para o organizador do festival, Valter Vilar, esta edição pode ser especialmente destacada pelo número de poesias muito boas e também pelo lançamento de novos talentos. O segundo lugar, “Pátria Amada”, por exemplo, é a de autoria de Paulo Henrique, estreante em festivais. “Além da participação de novos poetas, tivemos vários inscritos de outros municípios”, completou o produtor cultural.

O concurso, realizado com apoio cultural da Fundação Macaé de Cultura, distribuiu R$ 2.900,00 em prêmios. Concorreram 30 poesias selecionadas por uma comissão julgadora. A beleza de “Memória” revela a expressividade da poesia macaense.

MEMÓRIA
(Tuninho)


Pé-direito alto,
portas e janelas idem
- formas de séculos repassados...
Se quietos, atentos,
podemos enxergar vultos, sentir seus odores:
(são almas percorridas pela história
perambulando pelos acervos... ou delírio?)
- chego a ouvir seus passos sobre as linhas das tábuas corridas!
De onde estão (mistério!...) em eterna vigília, saberão de nós,
ou terão ficado guardadas no tempo
de nossa ausente memória?...

O que resta depois das traças, cupins, vermes e tratores?
E, exumados de conhecimento, seremos
também nós, sem que ninguém futuro nos saiba.
E aqui estivemos!
(Estivemos?!...
A identidade – trajeto – o saber caminhos
que até aqui nos trouxeram... Onde?...
Vergonha que tive certa vez
quando perguntou-me um ator francês:
- "que monumento (era um índio) é aquele?"
- e eu não sabia!)

Pátria minha, gentil que te partiste,
tudo ficou longe...
como o abandono da pessoa amada.
Temos medo e preguiça dos fantasmas (como dos amores)
- coisas vivas que não mais vivemos: abraços, livros, beijos, retratos, olhares, partituras, mãos, jornais...
- liberdades presas no esquecimento.

Meu avô e seu cachimbo, balançavam na cadeira da varanda, baforando
causos de seu bisavô; minha avó preparava bolinhos-de- chuva, ouvindo Luzia - linda preta...
descendente direta de Zumbi dos Palmares! - dizendo de movimentos da sua nova barriga de quinto filho.
À sala, minha mãe, Penélope, pontos em cruz;
em outra cidade, meu pai, Ulisses, caixeiro viajante.
E, encantada, menina, eu me lambuzava! - Quantas gerações em poucos metros quadrados!
Do alto do alpendre, trepadeiras pendiam chorando sobre nós.

De parede, o relógio parado nela.
Sem restauração de tempo e espaço, o mundo financeiro
não se lembra da memória: tritura e assopra
com suas máquinas de fazer lucro,
o futuro com Alzheimer e injusto progresso.

Amanhã - logo ali na frente - seremos museus entregues ao nada,
(ou nada mesmo) entregues a si mesmos;
ou ainda - acredito - nossos descendentes,
poderão lembrar futuros sonhos tupis
ocupando tabas em terras genuinamente suas.

Emboabas, balaiadas, farroupilhas, farrapos, canudos...
- sangue de meus antigos parentes.
E eu sei?... Sabemos?...
Isabela atirada pela janela e meninos quantos atirados aos tiros... serão presentes mais ali adiante?...

(Chico Mendes acaricia uma família seringueira plantada no céu, embalado pela milagrosa flauta de Benedito.)

Ah... memória, memória... como torço por ti,
da casa grande à senzala de nós mesmos!