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Cronologia de Macaé


MACAÉ: A MÉMORIA DA HISTÓRIA – Dos primórdios até 1960 (¹)

Vilcson Gavinho
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     “Penso como Gaston Bardet [1907-1989, arquiteto e urbanista francês] quando diz que as cidades não são apenas agrupamentos de ruas e casas... as cidades são obras de arte, feitas por gerações de habitantes, acomodando-se mais, ou menos, àquilo que existia antes delas. As cidades retratam muito da personalidade coletiva de seus moradores... todos, mesmo inconscientemente, guardam um pouco de memória da História.” NAZARETH, Gilson Caldwell do Coutto (1936-2016) - Doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ), Museólogo, Genealogista, membro de antigas famílias macaenses: depoimento [set. 1995]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Rio de Janeiro-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Estudiosos de Arqueologia estimam que por volta de 8000 a.C., ainda no período glacial, no chamado Pleistoceno Final, a região sudeste do Brasil começou a ser povoada, incluindo o território do atual município de Macaé. O recuo do mar, nesse estágio, formou uma extensa orla de terra seca a leste da barreira da Serra do Mar e esta, por seus relevos sinuosos, pelas baixas temperaturas e escassez de vida animal, constituía-se em grande empecilho para que grupos humanos se expandissem do interior para o litoral. Muitos defendem a tese de uma migração, do sul para o norte, de bandos que empreenderam longas viagens estabelecendo-se na costa fluminense. O nível do mar estava abaixo do atual e as ilhas do Arquipélago de Santana provavelmente pertenciam à costa litorânea, formando pequenos montes, preservando ossada humana, com peculiaridades científicas, além de vestígios de interesse para a Paleontologia e a Malacologia, respectivamente o estudo de vegetais, amimais fósseis e de moluscos.

     “Por causa da oscilação do nível oceânico muito do material arqueológico produzido em Macaé foi arrasado ou encontra-se submerso [...] Acredito que os sítios arqueológicos macaenses, mereçam estudos mais detidos... muita coisa boa está por vir. Aquele Arquipélago [de Santana] é precioso!ALTAMIRANO ENCISO, Alfredo José (1940) - Doutor em Paleopatologia (FIOCRUZ), Arqueólogo com estudos realizados em Macaé: depoimento [nov. 1999]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Cabo Frio-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Análises sistematizadas desses sítios permitiriam o esclarecimento da pré-história do homem “macaense”, trazendo luz à sua estrutura social e colocando Macaé dentre as comunidades que podem orgulhar-se de contribuir para compreensão e engrandecimento da trajetória civilizatória da Humanidade. Aqueles foram sucedidos pelos grupos indígenas, da tradição tupi-guarani, que habitaram nosso território: Os Sacurus, na região serrana, viveram praticamente isolados, sendo os últimos a terem contato com brancos catequizadores, legando muitos costumes, principalmente na culinária. Os Tamoios, na margem direita do Rio Macaé, foram os ameríndios que melhor assimilaram a cultura europeia, embora tenham confrontado os portugueses em sangrentas batalhas, sendo aliados dos franceses. Do lado esquerdo do rio, a planície, estavam os Goitacás, descritos como bárbaros, porém com capacidade intelectual superior a da maioria dos silvícolas, nunca se entenderam com os europeus, impedindo o sucesso da Capitania de São Tomé.

     “Numa leitura bairrista poderíamos dizer que o personagem Peri, protagonista do romance ‘O Guarani’ [de José de Alencar], era macaense (Risos!). Sim, ele é descrito como um ‘chefe goitacá’. Sua ligação com a fidalga Ceci representa a síntese racial do povo brasileiro. Eu mesma, pelo lado Rocha, descendo de uma índia goitacá com um padre! (Risos!)UCHÔA, Yolanda de Souza (1912-1999) - Macaense, Professora, Poetisa, membro de uma tradicional família do antigo distrito de Carapebus: depoimento [out. 1991]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Rio de Janeiro-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Já em 1557, na obra “As Singularidades da França Antártica, também Nomeada América e de Mais Terras e Ilhas Descobertas de Nossos Tempos”, o frade francês André Thevet relatou o seu desembarque na barra do Rio Maqué, sendo recebido por indígenas. Em 1578, outro francês, Jean de Léry, publicou o livro “História de uma viagem feita à terra do Brasil, também dita América”, com referência ao nome Macaé e observações sobre a região. Desde então surgiram registros equivocados sobre o significado do nome, como: “arara-verde”, “rio-fundo” e “rio-salgado”, porém o erro mais comum é “rio-dos-bagres”, pela abundância do pescado. Quanto à origem do termo, não resta dúvidas tratar-se de vocábulo indígena, procedente da corruptela “maca-ê”, que significa “coco-doce”, produzido pela palmácea macabaíba.

     “Lembro bem do tempo em que se escrevia Macaé com ‘agá’, Macahé. Fui alfabetizado escrevendo assim, no colégio de Dona Irene [Meirelles]. Com a reforma ortográfica [1943] caiu o ‘agá’. Meu pai [o farmacêutico José Siqueira da Silva] sempre se recusou a escrever do jeito novo. Aquela gente antiga ficou revoltada (Risos!).SIQUEIRA, Jair Picanço (1925-2007) - Macaense, Médico, Empresário, Colecionador: depoimento [jun. 1991]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Desde o achamento oficial do Brasil, a costa marítima macaense foi uma espécie de ancoradouro natural, onde aportavam naus, pertencentes ao consórcio privado liderado pelo cristão-novo Bartolomeu Marchioni, agraciado pela coroa portuguesa com o direito de escravizar índios e extrair a grande riqueza da terra, o pau-brasil, cobiçado por indivíduos de diversas nacionalidades. Já no ano de 1614, o Conde de Gondomar, embaixador em Londres, ciente de que piratas, patrocinados pela coroa britânica, contrabandeavam o ouro-púrpuro produzido em terras macaenses, alertou El-Rei Filipe II, que ordenou o estabelecimento de duzentos índios aculturados em aldeamento às margens do Rio Macaé, missão confiada a Amador de Souza, filho do célebre Araribóia, surgindo então o primeiro núcleo oficial de povoamento. Nesse tempo, foi edificada a Fortaleza de Santo Antonio do Monte Frio, onde hoje está o Forte Marechal Hermes.

     “Essas receitas [Vinho do Macaé, Fartel, Doce do Uso das Feitorias do Macaé, etc.] são do tempo de [Bartolomeu] Marchioni... da época do Descobrimento [do Brasil]... são nossos vínculos com os pioneiros... os primeiros macaenses. Precisam ser repassadas... praticadas... preservadas. É uma responsabilidade nossa.THOMAZ, Alzira Rosa dos Santos Gavinho (1939) - Macaense, Colecionadora, descendente de antigas famílias coloniais: depoimento [dez. 1993]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Pouco tempo depois, em 1627, um grupo de militares portugueses, com serviços prestados à Coroa, especialmente na expulsão dos franceses da Baía de Guanabara, foi agraciado com imensa sesmaria que se estendia da barra do Rio Paraíba do Sul até a do Macaé, devendo pagar foro aos donatários ausentes da Capitania de São Tomé e dízimo à Ordem de Cristo. Conhecidos como os Sete Capitães, empreenderam importantes expedições, fundando povoados e conferindo topônimos. Em Macaé não encontraram gente de maior consideração, apenas agradáveis mamelucos residindo em choupanas cobertas de palhas, ocupados da pesca de bagres, liderados pelo administrador Domingos Leal, que fazia às vezes de governo.

     “Seja verdadeiro ou falso, o fato é que o Roteiro [dos Sete Capitães] é a mais antiga pista manuscrita sobre tentativas de povoamento nesta região. Ainda que fruto de interesses escusos, acho que deve ser acatado em seus aspectos antropológicos, etnográficos... Eu o respeito como fonte.” QUEIRÓS MATTOSO, Gilberto de (1947-1996) - Historiador, Genealogista, Publicitário, membro de tradicionais famílias macaenses de Quissamã: depoimento [fev. 1991]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Quissamã-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Outra cobiçada sesmaria, compreendendo todos os campos entre os rios Macaé e Leripe, o rio-das-ostras, foi concedida em 1630 aos padres da Companhia de Jesus. A Fazenda de Macahé, importante entreposto pecuário, foi durante todo o período colonial um núcleo com influência determinante, mesmo após o confisco dos bens jesuíticos, em 1759, pelo Marquês de Pombal. Colocadas à venda em hasta pública, todas as terras que atualmente compõem o perímetro urbano macaense foram arrematadas, em 1761, pelo mestre-caldeireiro Gonçalo Marques de Oliveira, que empreendeu melhorias, tornando-se sócio do capitão Bento José Ferreira Rebello. Em 1798 aconteceu a primeira divisão de terras, sendo rebatizadas como Fazenda Velha de Sant’Anna, propriedade da família Ferreira Rebello, e Fazenda de Imboassica, dos Nunes Pereira.

No ano de 1810, em 29 de agosto, foi criada uma nova comandância, da Barra do Furado até a Barra do São João, com terras retiradas de Campos e Cabo Frio, graças às artimanhas do sargento-mor João Luís Pereira Viana, grande proprietário de terras, ligado aos Ferreiras Rebello, apadrinhado pelo poderoso Bispo-Capelão-Mor Dom José Caetano da Silva Coutinho, que aqui esteve em agosto de 1812. Finalmente, em 29 de julho de 1813, Sua Alteza Real o Príncipe Regente, Dom João de Bragança, cria a Villa de São João de Macahé, conferindo-lhe autonomia político-administrativa. Cumpridas as exigências legais - acomodações públicas e pelourinho - no ano seguinte, em 22 de janeiro, foram empossadas as primeiras autoridades municipais - juízes, vereadores, etc.

     “Você já viu o livro da fundação do Município? Acho o documento mais importante da nossa história... A transcrição do Alvará Real... os termos de posse das primeiras autoridades, com assinaturas. É a certidão de nascimento de Macaé! Está no Gabinete [do Prefeito], naquela caixa com um ‘leão’ na tampa”. QUEIRÓS MATTOSO, Eleosina Pereira de (1917-1993) - Macaense, Bibliotecária, Arquivista, Funcionária Pública, Colecionadora: depoimento [set. 1990]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé/RJ. 1 fita K7 (60 min.) ¾ pps stereo.

De fato, na primeira metade do Dezenove, grandes personalidades internacionais prestigiaram o território macaense; a primeira, em 1815, foi o príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, líder de uma histórica expedição científica; em 1817, veio o célebre naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire; e em 1832, ninguém menos que o cientista inglês Charles Darwin, o pai da teoria da evolução das espécies. Pouco depois, em 1837, o engenheiro português Henrique Luís de Niemeyer Bellegarde, a pedido da Câmara Municipal, demarcou ruas e praças, conferindo ângulos retos e ordenados ao perímetro urbano. Nesse tempo, a intelectualidade macaense estava bem representada por nomes como José Carneiro da Silva, depois Visconde de Araruama, autor do primeiro livro sobre a história regional, publicando estudos socioeconômicos, sendo o grande propositor do Canal Campos-Macahé, articulou a aprovação da lei provincial de 1844 que autorizou a construção, com projeto do engenheiro inglês John Henry Freese.

Tamanho progresso, fez com que no ano de 1846, em 15 de abril, fosse registrada no Livro da Legislação Provincial, uma minúscula lei, de número 364, com apenas um artigo, que elevou a Villa à categoria de Cidade, com o mesmo título. Tal condição era almejada há tempos, sendo conquistada pelos esforços políticos de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, futuro Visconde de Sepetiba, um dos homens públicos mais conceituados do Império, que a sancionou, com aprovação da Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro. Agora, como promissora urbe, Macaé estava pronta para ser a primeira cidade do norte fluminense a receber o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, Sua Majestade o Senhor Dom Pedro II, que aqui chegou em março de 1847, hospedado pelo comendador Francisco Domingues de Araújo.

     “Dom Pedro [II] veio à Macaé em várias ocasiões [1847, 1875, 1877]. Adorava Quissamã! Aqui ele caçou pela primeira e única vez na vida... ficou muito bem impressionado com nossa água, retirada da restinga... chamou de ‘água cor de vinho’... chegou recomendar à Princesa Isabel [em 1868]”. SILVA, Anna Francisca; Anicota (1908-1999) - Macaense de Quissamã, Tabeliã, Memorialista, Colecionadora, Bibliófila: depoimento [fev. 1991]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Quissamã-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Representantes do Município exerceram relevantes cargos eletivos na Capital. Grandes casas de negócios foram fundadas nas ruas da Praia, Direita, do Collegio, e da Boa-Vista - hoje Presidente Sodré, Rui Barbosa, Télio Barreto e Roberto Silveira - em maioria por imigrantes portugueses e franceses. O agronegócio - pecuário, cafeeiro e açucareiro -, teve grandes empreendedores: os Araújos e os Silvas Porto, na cidade; os Carneiros da Silva, em Quissamã; os Pereiras Rabello e os Gavinhos em Carapebus; os Coelhos Antão e os Almeidas Torres, na região serrana; os Amados de Aguiar e os Figueiredos, em Macabu; os Sousas Meirelles, no Barreto; os Carvalhos e Mello e os Ribeiros Basto, em Barra de São João, dentre outros. Prédios públicos e particulares exibiam apurados recursos arquitetônicos, a exemplo do Theatro Santa Izabel, Solar dos Araújos (Palácio do Legislativo), Sobrado de Chico Diogo (Casa & Roupa), Sobrado Ribeiro de Castro (Palácio dos Urubus), Solar de Monte Elízio (Instituto Salesiano) - obras de grandes mestres-constructores, como o português Filomeno Borges e o alemão Antonio Becher. O comércio negreiro movimentava vultosas somas, tendo em Macaé o maior mercado da região Norte Fluminense, liderado pelo ardiloso Bernardino José de Sá.

     “Era muito velha aqui [referindo-se à avó paterna escrava], de modos que contava d’um pau grande [tronco] que tinha pro meio desse terrerão aí fora, aonde os preto que não trabalhava direito eram preso com uns ferro [grilhões], dispois [depois] vinha um homi [homem - feitor] e lascava eis [eles]. O avô do finado Adamastor Rodrigues [seu marido] era dessa função aí... fazia malvadeza aqui, ele. [sic].” RODRIGUES, Levina Candido (1918-2000) - Macaense de Quissamã, Lavradora, neta de escravos da Fazenda Machadinha: depoimento [out. 1991]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Quissamã-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Nem mesmo a lendária praga proferida por Manoel da Motta Coqueiro - último civil branco condenado à pena capital no Brasil, seguido de, no mínimo, 16 livres, 30 cativos e 5 militares -, enforcado aqui, em 6 de março de 1855, impediu um apogeu social, econômico e cultural. A imprensa chegou em 1861 com a fundação do Macahense, seguido do Monitor Macahense, O Telegrapho, O Seculo, O Lynce e muitos outros. Nas artes a Sociedade Philo-Scenica Macahense, criou o Theatro Santa Izabel, em 1866, recebendo artistas renomados, como a cantora lírica italiana Augusta Candiani. O telégrafo, implantado em 1869, estabeleceu pronta comunicação com a Capital. Em 1º. de maio de 1871, é inaugurada a Casa de Caridade - fruto da generosidade post mortem de Antonio Joaquim d’Andrade, o Casculeiro -, sendo sua mantenedora, a Irmandade de São João Baptista de Macahé, criada em 22 de maio de 1872; ano de surgimento do transporte público urbano, com implantação dos bondes puxados a burros, marcando época.

     “Nunca esqueço o bondinho. Quando acabou [1930] eu era moça. Lembro de ir à Rua Direita [Rui Barbosa], em pequena, ver as noivas desfilarem nos vagões enfeitados com flores e fitas. O povo jogando arroz (Risos!). Um sonho! (Emocionada) Era uma tradição antiga.” RAMOS, Lília; Lilinha (1909-2005) - Macaense, autônoma, membro de uma tradicional família macaense: depoimento [set. 1990]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé/RJ. 1 fita K7 (60 min.) ¾ pps stereo.

As sociedades musicais Nova Aurora, de 1873, e Lyra dos Conspiradores, 1882, baluartes culturais, resistiram aos percalços e permanecem até os dias atuais. A lavoura da cana de açúcar, o ouro-branco ou ouro-doce, teve seu auge com a fundação da Cia. Engenho Central de Quissaman, inaugurada em 1877, primeira do gênero instituída no Brasil, prestigiada pelo próprio Imperador, que sentenciou: - Hoje, Macahé é a sala de visitas do Império Brasileiro! O Porto de Imbetiba, sexto em volume de exportação no País, recebia riquezas produzidas na região através do Porto do Limão, no Rio Macaé, do Canal Campos-Macahé e da Cia. Estrada de Ferro Macahé-Campos, sucedida pela Cia. Estrada de Ferro Leopoldina, em 1889. A criação da Alfândega, em 1896, encerrou de forma gloriosa os oitocentos, marcados por tão opulentas efemérides.

Nos primórdios do século XX, um macaense, Dr. Alfredo Augusto Guimarães Backer, presidia o Estado do Rio de Janeiro, criando por decreto de 15 de fevereiro de 1910 a Prefeitura Municipal, sendo primeiro prefeito o Dr. João Francisco Moreira Netto, responsável pelas comemorações do Centenário, com implantação de obelisco no Parque Oliveira Botelho, hoje Praça Veríssimo de Mello. No ano seguinte, 1914, foi inaugurado o serviço de abastecimento d’água, vinda do manancial da Atalaya. No mês de maio de 1916 foi fundada a Associação do Commercio, Industria e Lavoura de Macahé, depois convertida em Associação Comercial e Industrial de Macaé - ACIM. Em 1917 surge o Fluminense Futebol Clube; e a energia elétrica passa a ser distribuída com a instalação de um gerador na extinta Praça da Luz.

Foram destaques nas artes: o desenhista e caricaturista Álvaro Marins, o Seth, atuando nos principais órgãos da imprensa carioca, publicou obras importantes como o álbum O Brasil pela Imagem; o pintor Hindemburgo Olive, premiado pela Sociedade Brasileira de Belas Artes e pelo Salão Nacional de Belas Artes, perpetuou vistas e personagens da terra macaense; o compositor e flautista Benedicto Lacerda, marcou época na música popular brasileira; e a cantora Angela Maria, a Sapoti, começou cantando em igrejas locais, alcançando o estrelato nacional como Rainha do Rádio.

     “A família da minha mãe toda cantava nos cultos protestantes, isso em [Conceição de] Macabu e, às vezes, na cidade [Macaé]. O meu pai [Albertino Coutinho da Cunha] mais tarde foi pastor. Saímos de Macaé pobrinhos, pobrinhos... mas éramos felizes. Quando voltei [28/07/1959] já era famosa, rica, Rainha do Rádio [1954]... paparicada pelo Prefeito [Eduardo Serrano] (Risos!)... foi uma vitória!CUNHA, Abelim Maria da; Angela Maria (1928-2018) – Macaense de Conceição de Macabu, Cantora, Atriz, Rainha do Rádio: depoimento [nov. 2007]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Rio de Janeiro-RJ. MP3 Player DVR (23 min.).

Aquele seria o século de importantes empreendimentos urbanos, a Fabrica de Gelo, Fabrica de Phosphoros Veado, Ribeiro Xavier, Lessa & C., Taboada & Cia., A Constructora, Casa Chaloub, Fabrica de Bebidas Prince, depois Lynce, fabricante de dois ícones macaenses: o licor Pesseguete e o refrigerante Moranguinho – hoje Moranguitto. A concorrida Praia de Imbetiba, com areias monazíticas, atraía turistas endinheirados, hospedes do Grande Hôtel Balneário na Imbetiba, luxuosa propriedade do historiador Alberto Lamego. O Café Belas Artes foi ponto de encontro de intelectuais, artistas, políticos, jornalistas... A imprensa, por décadas, esteve bem representada pelos periódicos: O Autonomista, O Regenerador, A Razão, Gazeta de Macaé, O Rebate, dentre outros.

Na década seguinte, as lentes mágicas do artista-photographico Luís Sólon de Sá Vasconcellos registraram nova onda progressista. Em 1920, passou a funcionar no antigo prédio da Beneficência Portuguesa, o tradicional Grupo Escolar Raul Veiga, hoje Mathias Netto; e o macaense Afrânio Costa foi o primeiro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica. Em 1923, foi fundado, pelo advogado Dr. Camillo Nogueira da Gama, o Gymnasio Macahense, primeiro com curso secundário e formação de professores. Graças à competência do prefeito, Cel. Sizenando Fernandes de Souza, surgiram ruas pavimentadas, redes de esgoto e novas estradas vicinais. No final de 1927, véspera do Natal, desembarcou em Macaé, como Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, o Excelentíssimo Senhor Dr. Washington Luís Pereira de Sousa, acompanhado de todos os ministros, honrando seu berço natalício, o qual nunca esqueceu.

     “Ele [Washington Luís] era um homem lindo! Alto... elegantíssimo, num terno de casimira inglesa verde garrafa [...] Na ocasião [18/12/1927], num banquete, falou à minha mãe [Evangelina Nunes de Souza] que era mais macaense do que pensavam... que saiu daqui lendo e escrevendo... e que ainda tinha muito do menino Xiton [apelido de infância].” SANTOS MOREIRA, Laurita de Souza (1923-2010) - Macaense, Poetisa, Memorialista, membro de uma tradicional família do antigo distrito de Carapebus: depoimento [mai. 1991]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé-RJ. 2 fitas K-7 (120 min.) ¾ pps stereo.

A vida social esteve ligada aos clubes recreativos, destacando-se o exclusivíssimo Tênis Clube de Macahé, de 1928, palco dos mais requintados acontecimentos, promovendo memoráveis competições esportivas, concursos, bailes carnavalescos e sociais. Em 1929 surge o Clube de Regatas Almirante Barroso, sucessor dos extintos Cristovão Colombo e Macahense; e nesse mesmo ano o potencial hidrográfico passa a ser aproveitado com a inauguração da Uzina de Glycerio. O serviço telefônico urbano começou, finalmente, em 1931, mas as chamadas interurbanas eram feitas há dois anos. Naquele mesmo ano, foram concluídas as obras do Cine-Theatro Taboada, idealizado pelo capitalista Manuel Guilherme Taboada, projeto grandioso assinado pelo architecto-constructor Joaquim da Silva Murteira, responsável por obras históricas: Casa das Sete Janelas, Câmara-Prefeitura Municipal, Usina Ayris, Asilo da Velhice Desamparada, Colégio Luiz Reid.

     “Fui à inauguração do [Cine-Theatro] Taboada [05/04/1931]. Foi a primeira vez que vesti um longo (Risos!). Era maravilhoso! Fecho os olhos e vejo [sic] as frisas, os camarotes... tantos artistas: [Heitor] Villa Lobos, Procópio Ferreira, Itália Fausta, Bidu Sayão... O cenógrafo [Ângelo] Lazary freqüentava nossa casa [o atual Solar dos Mellos]. Sabe que chorei, quando fecharam [1981]!?!MELLO, Noêmia da Costa (1916-2001) - Professora, Artesã, membro de uma tradicional família macaense: depoimento [nov. 1992]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé/RJ. 1 fita K7 (60 min.) ¾ pps stereo.

O município de Macaé não ficou ileso à crise mundial provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Empresários, fazendeiros, comerciantes, abriram falência e a população amargou um longo período de recessão econômica, agravada pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial.

     “Durante a [Segunda] Guerra tivemos a ‘Lei do Blackout’. Sabe o que foi isso? Os moradores eram obrigados a permanecer na total escuridão. Diziam que era para evitar bombardeios. Imagina!?! Bombardeios... (Risos!) Em nossa casa colocávamos panos nas frinchas das portas, das janelas, evitando a passagem da luz. [...] Ninguém tinha dinheiro... muito rico ficou pobre... tempos horríveis!MACHADO, Hilda Ramos (1913-1995) - Macaense, Mito do Magistério, Professora de Língua Francesa: depoimento [fev. 1989]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Por decreto municipal, de abril de 1941, foi criada a Biblioteca Pública Municipal Dr. Télio Barreto, que permanece, assim como o Rotary Club de Macaé, de 1942. O renascimento da economia local começa em 28 de maio de 1943, com a inauguração da Rodovia Amaral Peixoto, hoje RJ-106, ligando Niterói a Campos, passando por Macaé, visitada na ocasião pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, recebido com lauto almoço nas dependências do Clube dos Abaetés, depois Ypiranga Futebol Clube, onde funcionava a Rádio Emissora de Macaé. Em janeiro de 1950 entrou em funcionamento a Usina Hidrelétrica Central de Macabu, com obras iniciadas nos anos trinta. Em 1953 surge a primeira empresa têxtil, as Indústrias Bariloche S.A. O professor Antonio Alvarez Parada, o Tonito, dá os primeiros passos em seus estudos sobre o passado macaense, colecionando fontes, publicando colunas em jornais e lançando, em 1958, seu primeiro livro: Coisas e Gente da Velha Macaé.

     “Nesse tempo [década de 1950] a cidade reviveu. Havia uma inocência... um romantismo. O Footing aos domingos na Rua Direita [Rui Barbosa]... rapazes nas calçadas... moças desfilando belos vestidos, antes do cinema [Taboada]. Quem ia à sessão das 19h desfilava depois, quem ia à das 21h, desfilava antes (Risos!). Não era a cidade do petróleo... era a cidade das bicicletas... cidade do amor... dos macaenses!GARCIA, Maria Magdalena Pereira; Magdá (1918-2003) - Macaense, Socialite, Empresária, Memorialista: depoimento [out. 1992]. Entrevistador: Vilcson Gavinho. Macaé-RJ. 1 fita K-7 (60 min.) ¾ pps stereo.

Macaé... cidade do amor... dos macaenses... cidade dos sonhos de quem vive aqui.

(1) Texto de Vilcson Gavinho para o livro “MACAÉ MEMÓRIAS RECENTES”, organizado por Marilena Garcia e Meynardo Rocha de Carvalho. Macaé, RJ: Prefeitura Municipal de Macaé, 2019, p. 20-6.
(2) Fundador do Centro de Memória Antonio Alvarez Parada, integrado ao Solar dos Mellos - Museu da Cidade de Macaé. Perito Documental da Primeira Vara Civil da Comarca de Macaé-RJ. Sócio-Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Macaé. Sócio-Fundador do Instituto Histórico e Genealógico do Norte Fluminense (SJB-RJ); Sócio-Correspondente do Colégio Brasileiro de Genealogia (RJ), etc. Autor e/ou Coordenador de obras literárias sobre História de Macaé.


REFERÊNCIAS:
ACERVO AUDIOVISUAL. Collecção D. Rosa Joaquina, Macaé-RJ.
ALTAMIRANO, Alfredo J. Os proto-tupi: Construtores de sambaquis (Apostila 5). II Fórum de Arqueologia em Cabo Frio, 16-17 de novembro de 1999.
CARVALHO, Augusto de. Apontamentos para a Historia da Capitania de S. Thomé. Campos: Typ. e Lith. de Silva, Carneiro & Comp., 1888.
FROSSARD, Larissa; GAVINHO, Vilcson (Org.). Macaé, Nossas Mulheres, Nossas Histórias. Macaé, RJ: Macaé Offshore, 2007.
LAMEGO, Alberto Ribeiro. O Homem e o Brejo. Rio de Janeiro: Editora Lidador Ltda., 2.a Ed.,1974.
LIMA, Tânia Andrade. Ocupações Pré-Históricas em Ilhas do Rio de Janeiro. In: BELTRÃO, Maria [et al], Org., Arqueologia do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1995, p. 95-104.
LÔBO JÚNIOR, Dácio Tavares [et al]. Macaé Síntese Geo-Histórica. Rio de Janeiro: 100 Artes Publicações, 1990.
PARADA, Antonio Alvarez. Coisas e Gente da Velha Macaé. São Paulo: EDIGRAF, 1958.
_______. Histórias Curtas e Antigas de Macaé. Rio de Janeiro: Artes Gráficas, 1995, vol. I e II.
_______. Histórias da Velha Macaé. Macaé (RJ): Ed. do Autor, 1980.