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“Arte Preta” celebra a Consciência Negra com expressões de resistência e ancestralidade em Macaé

11/11/2025 08:37:00 - Jornalista: Janira Braga

Foto: Ana Chaffin

Entre memórias, corpos e cores, a exposição celebra o Mês da Consciência Negra com obras que mostram identidade em potência criativa

A Galeria Hindemburgo Olive abriu na noite desta segunda-feira (10) a exposição “Arte Preta”, em celebração ao Mês da Consciência Negra. A mostra reúne obras de artistas de Macaé, que exploram temas como identidade, ancestralidade, resistência e memória. O público pode visitar a exposição de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 17h, na Avenida Rui Barbosa, nº 780, no Centro.

A secretária de Cultura, Waleska Freire, enalteceu a importância da mostra no fortalecimento da valorização da arte negra e da identidade cultural macaense.


“A exposição Arte Preta é uma celebração artística e um espaço de reconhecimento, memória e resistência. Cada obra aqui exposta carrega a força de uma história que precisa ser contada e celebrada. A Consciência Negra nos convida a olhar para o passado com respeito, para o presente com reflexão e para o futuro com esperança. É um orgulho para Macaé receber artistas que transformam a ancestralidade em expressão e a arte em instrumento de transformação social”, afirmou a secretária.



A reconstituição dos anos de escravidão no Brasil contada por Bernardo Beraldini, assim como a conexão com a ancestralidade, os direitos da expressão negra e a negritude presentes nas obras de Adriana Gonçalves e Isabelle Nery, foram destacadas pelo curador da mostra, Gerson Dudus.


“Bernardo reconta a escravidão e, na outra sala, vemos negros que ocupam locais de destaque na sociedade, em diversos nichos. Temos a arte na galeria representada em pintura, colagens, elementos tridimensionais e outras expressões artísticas”, informou Dudus.


Bernardo Beraldini e as marcas da história que viram arte

Entre os destaques da mostra está o trabalho de Bernardo Beraldini, que apresenta seu projeto e obra “Marca que Não se Apagam”, refletindo sobre a permanência, a resistência e a memória do povo negro no Brasil. Segundo o artista, a exposição parte da ideia de que a história do povo negro não é feita apenas de dor, mas também de força e permanência. “As marcas deixadas pela escravidão, pela violência e pela perda não desaparecem — elas se transformam em força, identidade e caminho”, analisa. Ele explica que o objetivo é que o público sinta, não pela violência explícita, mas pelo simbolismo e pela dignidade dessas memórias ancestrais.

Bernardo reforça que a Consciência Negra, para ele, é um compromisso com a verdade, a ancestralidade e a representatividade.


“Venho de histórias que atravessam minha família e minha cidade, Macaé, e uso a arte como voz para aquilo que muitas vezes não é dito. Procuro mostrar que o povo negro carrega não só cicatrizes, mas também sabedoria, espiritualidade e beleza que sobreviveram a tudo”, acrescenta.



Na exposição, Bernardo leva cerca de 10 telas e esculturas de plástico. Entre as obras estão retratos com correntes simbólicas, que mostram como a escravidão marcou gerações, mas também como essas mesmas correntes hoje se ressignificam como símbolos de resistência; figuras femininas negras, representando força e maternidade ancestral; obras que simbolizam a dor ancestral, com corpos fragmentados, ausência de rosto e cicatrizes que funcionam como mapas da identidade roubada e reconstruída; e esculturas em materiais rústicos, remetendo ao peso físico e emocional da escravidão.


“Cada obra conta um pedaço da trajetória de dor, fé, apagamento e renascimento”, menciona.



O artista ainda detalha os materiais e técnicas que utiliza: acrílica sobre tela, texturas em massa, barro, bambu, galhos naturais, sisal, cordas e correntes oxidadas. De acordo com ele, essas escolhas não são apenas estéticas.


“Esses materiais carregam história. Quero que cada obra funcione como um espelho e uma ferida aberta ao mesmo tempo: lembrando o que foi vivido, mas também mostrando a força que permanece. A história do povo negro não deve ser romantizada nem esquecida; ela precisa ser reconhecida em toda a sua complexidade”, conclui.


Adriana Gonçalves e o poder de transformar vivências em expressões
Outra artista que se destaca na exposição “Arte Preta” é Adriana Gonçalves da Silva Fernandes, que traz para a mostra, como ela definiu, “nossa terra e nossa gente”. De acordo com ela, suas obras nascem do que “o seu coração grita”, e é justamente essa emoção que guia suas escolhas de materiais e técnicas. Adriana utiliza principalmente tinta acrílica e aquarela, deixando que a expressão e a sensibilidade conduzam cada obra.

Para a artista, o trabalho se conecta profundamente com a temática da Consciência Negra e com conceitos de identidade e resistência.


“Todos são negros que tiveram grande relevância na cidade, sendo exemplo em todos os aspectos. Eles resistiram contra o sistema, enfrentaram lutas e ainda enfrentam até hoje. Mas não desistiram, provando que a nossa cor não nos define. Pelo contrário, nos fortalece!”, aponta.



Adriana reforça ainda a dimensão libertadora da arte.


“Ela é uma forma de expressão, cura e transformação!”, enumera.



Suas obras, segundo a artista, são um convite para que o público sinta a força da ancestralidade e a importância da representatividade negra, mostrando que a arte pode ser, ao mesmo tempo, veículo de memória e instrumento de empoderamento.

A voz de Isabelle Nery
A artista macaense Isabelle Nery, uma das expositoras da mostra “Arte Preta”, conta que seu trabalho parte de um movimento de reconhecimento — pessoal e coletivo.


“Minha trajetória nasceu muito desse lugar de me entender dentro da arte enquanto mulher negra e de usar a criação como um meio de reaproximação com a minha própria ancestralidade”, constata a artista Isabelle Nery.




“Tudo o que eu produzo parte de uma tentativa de me reconhecer e de reconhecer os meus, as vivências, os gestos, os corpos e as histórias”, exalta.



Nas obras apresentadas, Isabelle trabalha principalmente com colagem analógica, um processo manual que envolve recorte, sobreposição e composição de imagens.


“É um processo intuitivo, muito tátil, quase meditativo”, frisa.



De acordo com ela, as colagens evocam corpo, tempo e memória, trazendo à tona a ancestralidade por meio de símbolos, cores e camadas, enquanto a identidade se manifesta no gesto, no olhar e nas escolhas de composição.

O lambe-lambe surge como uma extensão natural de sua prática, levando as criações para o espaço público.


“O lambe-lambe nasce como uma extensão desse processo, levando as colagens para o espaço público”, pontua.