Clarice Lispector é tema de seminário e exposição no Teatro Municipal de Macaé

03/05/2007 17:49:11 - Jornalista: Janira Braga

Hermética. Intimista. Introspectiva. Profunda. Misteriosa. Ou simplesmente difícil. Todos esses adjetivos já foram, em algum momento, creditados a Clarice Lispector, uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. No entanto, a obra da autora, cuja narrativa geralmente utiliza o tempo psicológico ao invés do cronológico, é objeto de estudo de diversas teses de mestrado e doutorado, mas a impressão é que nunca a objetividade estará ao lado de qualquer idéia que envolva Clarice Lispector.

Para celebrar o aniversário de 30 anos da morte da autora, que chegou a dizer que era uma pergunta e que quando escreve está morta, diversas homenagens estão acontecendo em todo país, como a exposição no Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, em São Paulo. Macaé também entra no circuito literário clariceano e por meio de um projeto da produtora cultural Ilcimar Abreu, que tem apoio da prefeitura, será realizado dias 14 e 15 de maio, no Teatro Municipal de Macaé, o seminário e exposição “As faces de Clarice Lispector”, com a coordenação da pós-doutora Vilma Arêas, autora do livro “Clarice Lispector na ponta dos dedos”.

De acordo com a produtora cultural, a idéia do projeto sobre Clarice surgiu pelo seu gosto pessoal. “A linguagem da Clarice é única, ela consegue chegar até seus leitores de uma forma sem igual. Com Clarice não existe meio termo. Você simplesmente se apaixona. E nosso país está precisando muito de cultura, de ser tocado pela boa literatura”, afirma Ilcimar, que se diz atraída pela literatura de Clarice Lispector “pela subjetividade, pelo que ela não diz”.

O seminário “As faces de Clarice Lispector” começa às 18 horas do dia 14 (segunda-feira), com a palestra “Clarice segundo Clarice”, por Vilma Arêas, em cima de seu livro, que divide a obra literária de Clarice em duas fases: a obra das entranhas e da ponta dos dedos. A divisão que Vilma pontuou se deve a uma declaração que Clarice certa vez fez: “Eu que escrevia com as entranhas, hoje escrevo com a ponta dos dedos”. A palestra da pós-doutora terá foco nas obras de Clarice “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, “A Hora da Estrela” e “A Via Crucis do Corpo”.

Às 19h45min será exibido o filme “La Strada”, de Federico Fellini, que segundo o livro “Clarice Lispector na ponta dos dedos”, de Vilma, tem na personagem Gelsomina semelhanças com Macabéa, a protagonista de “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. O primeiro dia de evento se encerra com um debate sobre o filme e a obra clariceana. No segundo dia de seminário, será exibido às 18 horas “A Hora da Estrela”, filmado por Guel Arraes com Jorge Furtado e Regina Casé. Em seguida será promovido um debate e às 20h30min, a homenagem “Ave, Clarice”, para o encerramento dos trabalhos. O convite para o seminário custa R$ 8 por dia e está a venda na Casa do Livro.

Subjetividade de Clarice Lispector inova literatura brasileira

O primeiro romance de Clarice Lispector, “Perto do Coração Selvagem”, foi escrito quando ela tinha 17 anos e inaugurou na década de 1940 uma literatura inovadora no Brasil. Utilizando as cores como metáforas para a introspecção da protagonista Joana – ora ela é clara, ora escura - o romance narra a evolução e por vezes o retrocesso psicológico da personagem.

Logo neste primeiro romance fica notório nas entrelinhas que a forma com que a escritora narra os acontecimentos – sempre sem tempo cronológico - com Joana reflete o sentimento próprio de Clarice. O interior da escritora é exposto na obra com utilização de recursos autobiográficos quase imperceptíveis.

A história de “Perto do Coração Selvagem” – uma das poucas da escritora que utiliza onomatopéia – mostra a invenção da linguagem modernista de Clarice e a relação da personagem com o mundo. Em fração de segundos, Clarice mostra uma Joana que sente as conseqüências do casamento até as lembranças da infância.

ALTER-EGO - Antes de morrer de câncer, durante uma crise, Clarice Lispector saiu do quatro do hospital e disse à enfermeira: “Você matou meu personagem”. Com a morte de Clarice, seus personagens também morreram. Por um único motivo: eles são reflexo dela mesma. O alter-ego é, assim como a subjetividade, característica marcante da literatura clariceana. No entanto, os personagens ressuscitam a cada dia, a cada novo leitor, a cada releitura, a cada alma formada que é beneficiada com a leitura da eterna Clarice Lispector.