Evento de artes literárias desnuda Clarice Lispector

11/05/2007 16:00:48 - Jornalista: Janira Braga

O Teatro Municipal de Macaé será palco nesta segunda e terça-feira (14 e 15 de maio) de exposição e seminário sobre uma das maiores escritoras brasileiras, Clarice Lispector, que faleceu há quase 30 anos, em dezembro de 1977. O evento “As Faces de Clarice Lispector” vai desnudar a literatura clariceana, marcada pela busca de uma auto-identidade, com a construção de descobertas que tematizam uma narrativa de segundo plano e a vivência interior das personagens, que guia as histórias.

A pós-doutora Vilma Arêas, autora do livro “Clarice Lispector na ponta dos dedos”, vai ministrar palestra no evento e será a coordenadora dos trabalhos. Vilma desenvolveu uma tese que divide a obra de Clarice Lispector em duas fases: a obra das entranhas e da ponta dos dedos. A idealização do evento, que tem apoio da prefeitura, é da produtora cultural Ilcimar Abreu.

O seminário “As faces de Clarice Lispector” começa às 18 horas do dia 14 (segunda-feira), com a palestra “Clarice segundo Clarice”, por Vilma Arêas, em cima de seu livro. A divisão que Vilma pontuou se deve a uma declaração que Clarice certa vez fez: “Eu que escrevia com as entranhas, hoje escrevo com a ponta dos dedos”. A palestra da pós-doutora terá foco nas obras de Clarice “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, “A Hora da Estrela” e “A Via Crucis do Corpo”.

Às 19h45min será exibido o filme “La Strada”, de Federico Fellini, que segundo o livro “Clarice Lispector na ponta dos dedos”, de Vilma, tem na personagem Gelsomina semelhanças com Macabéa, a protagonista de “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. O primeiro dia de evento se encerra com um debate sobre o filme e a obra clariceana. No segundo dia de seminário, será exibido às 18 horas “A Hora da Estrela”, filmado por Guel Arraes com Jorge Furtado e Regina Casé. Em seguida será promovido um debate e às 20h30min, a homenagem “Ave, Clarice”, para o encerramento dos trabalhos. O convite para o seminário custa R$ 8 por dia e está a venda na Casa do Livro. Na segunda e na terça-feira, a partir das 12h30min, os ingressos podem ser comprados na bilheteria do teatro.

Clarice Lispector e o processo de escrever

O processo de escrever é um dos assuntos que sempre aparecem na obra de Clarice Lispector, seja em romances, crônicas e até contos. O trabalho de escrever é mostrado por vezes como algo com dificuldades atenuantes: “escrever é uma maldição”, mas “uma maldição que salva”, como consta em “A descoberta do mundo”. Uma leitura atenta de seus livros mostra que durante todo o tempo, Clarice inventa personagens e histórias – mais personagens com seus conflitos do que propriamente histórias – que questionam a existência pelo ato de escrever. “Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um monumento. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente, não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes”. (A descoberta do mundo).

Para Clarice, o ato de escrever é o de desvendar a si mesma. Não é raro encontrar em seus romances questionamentos sobre a existência de um personagem, como se fosse uma conversa dela com ela mesma, com o leitor como interlocutor. Seria uma angústia oculta de se mostrar, mas esta característica não é expressivamente abordada em Clarice pelo perfil de escritora que ela manteve em vida: uma mulher que não gostava de dar entrevistas, falar com leitores mais ardorosos, nem aparecer na mídia.

Um exemplo de como Clarice se mostra nas entrelinhas em seu texto acontece quando ela utiliza o processo de escrita dentro de seus romances como no livro “Um sopro de vida”. Sofrendo as conseqüências do câncer, Clarice Lispector inventa neste livro – o último antes de morrer – um personagem-narrador, um escritor, que está em conflito com sua própria criação, a personagem Ângela Pralini. O livro é uma conversa entre o escritor e Ângela.
Clarice se mostra em ambos personagens, o ressalto fundamental do livro são os impulsos entre o autor e Ângela, porque o próprio escritor-personagem não se reconhece em Ângela-protagonista, que seria seu avesso. A dualidade em Clarice Lispector é identificada nestes dois que podem ser considerados personagens-espelhos de Clarice.

Outras duas obras consagradas de Clarice que serão abordadas no evento são “A paixão segundo G.H.” e “A hora da estrela”. No primeiro, a surpresa do fluxo de consciência invade a protagonista – uma escultora de classe alta que resolve arrumar a cobertura em que mora, começando pelo quarto de empregada – ao se deparar com questionamentos sobre ela mesma. A carência de seu nome, dado por Clarice somente pelas iniciais, já remete um processo de busca de autoconhecimento. A narrativa segue quando a escultora depara-se com uma barata. A partir daí, os questionamentos são constantes, a busca da compreensão do que é o ser humano é evidente, de forma que todos os mistérios que G.H anseia por descobrir, é o que Clarice passa.

Compreender a magia do universo também é assunto da escritora em “A hora da estrela”, no qual a protagonista Macabéa, uma nordestina que vai para a cidade grande para tentar “melhorar de vida”, vive decepções profissionais e pessoais por não estar preparada para viver o real.