Anualmente, cerca de 1,5 milhões de crianças e adolescentes são atendidas nos hospitais americanos vítimas de agressões. Destas, 300 mil (20%) sofreram violência sexual. No Brasil, ainda não há valores confiáveis, já que muito poucos casos são notificados, mas estima-se que o número de vítimas possa ser igual ou mesmo mais elevado.
- Em Curitiba, onde se faz as notificações corretamente, foram registrados 2.503 casos de violência contra crianças e adolescentes no ano 2000 – número bastante elevado para uma cidade que não é tão grande. Fazendo uma estimativa, imagine quantas agressões semelhantes não acontecem por todo o Brasil, disse o pediatra Rafael Vicente, do Hospital Público de Macaé (HPM), em palestra realizada nesta sexta-feira (19).
Para ele, a sociedade ainda não está preparada para lidar com esses casos. “Muitas vezes, os próprios profissionais da saúde não sabem identificar manifestações de maus-tratos a crianças, desconhecem que medidas tomar para a proteção e assistência da vítima ou mesmo não se importam. Aqueles próximos à criança, por sua vez, seja por medo, coação ou mesmo algum sentimento de posse que tenham com relação aos filhos, muitas vezes se omitem na notificação da violência”, afirmou.
Casos como esse, segundo o advogado Renato Neves de Oliveira, professor de Direito Constitucional da Unigranrio e palestrante convidado, também podem levar à punição: “É importante ter em mente que os pais da criança ou do adolescente vítima de abuso podem ser punidos não só se cometerem o ato, mas também se, por omissão ou negligência, deixarem-no acontecer ou não o notificarem”, explicou, acrescentando que esta responsabilidade se estende também a profissionais como professores e médicos.
– Assim, ao se suspeitar de violência cometida contra criança ou adolescente, o primeiro passo é entrar em contato com o Conselho Tutelar, que vai acionar o Ministério Público para investigar o caso. Mas o ideal, é claro, é que se leve a vítima, antes de tudo, ao hospital. Lá serão tomadas todas as providências nesse sentido – disse Oliveira, lembrando que o poder público é apenas um dos envolvidos na proteção de crianças e adolescentes: “A família, a comunidade e a sociedade também devem estar envolvidos para garantir sua saúde, segurança e bem-estar”, completou.
Por isso, de acordo com Vicente, até mesmo a suspeita de violência deve ser notificada. “No caso de um processo contra o agressor, o laudo emitido pelo médico, até mesmo o prontuário do paciente, valerão como prova. Não temos que temer possíveis constrangimentos com a família da vítima, mas sim saber que um criminoso pode não ser preso por omissão nossa”, afirmou.
Características – A despreocupação com constrangimentos, no entanto, não significa que a abordagem aos responsáveis pela vítima não deva ser cautelosa: “É importante fazer os pais entenderem como é importante notificar a agressão sem que percam a confiança na instituição. Muitos pensam que o Conselho Tutelar é um órgão punitivo, enquanto sua única função é proteger a criança. Se não fizermos um trabalho bem-feito, há o risco de os pais nem procurarem mais o hospital no caso de uma agressão futura”, ressaltou a coordenadora do Serviço Social do HPM, Margareth Leite. “A responsabilidade é de todos; por isso, temos todos, do porteiro ao diretor do hospital, que trabalhar em equipe”, completou Vicente.
– Não podemos esquecer que a violência contra crianças e adolescentes é muito mais comum do que se imagina. Não existe um perfil típico do agressor; ele pode ser de qualquer origem, idade, sexo ou classe social. Mas, quase sempre, ele é próximo da vítima, podendo pertencer à família ou à vizinhança – disse o pediatra.
Segundo ele, no entanto, certas crianças têm mais chance de sofrer violência: aquelas cujo nascimento não foi planejado, que contrariem expectativas dos pais, que tenham sido criadas distantes dos pais, que sejam portadoras de doença crônica ou deficiência, que apresentem transtornos de comportamento ou que sejam filhos de outros relacionamentos. “Crianças que apresentem complicações no parto e tenham que ser internados correm o risco de ter rompidas suas ligações com os pais. Por isso, procuramos mantê-los sempre juntos desde o princípio, para que esse elo não seja quebrado e o afeto entre pais e filhos se perca, transformando-se em agressões futuras”, afirmou.