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Quarta Cultural mostra encenação de Gaivota, de Tchekov

28/08/2007 13:39:52 - Jornalista: Alexandre Bordalo

Uma experiência estimulante. Assim é considerado assistir a peça Gaivota, do russo Anton Tchekov, que dez jovens da Escola Municipal de Artes Maria José Guedes, da Fundação Macaé de Cultura, apresentam nesta quarta-feira (29), às 19h. O evento acontece no Auditório Euzébio de Mello, no quarto andar do prédio do Centro Macaé de Cultura, na Avenida Rui Barbosa, 780. “Será uma leitura dramatizada com algumas adaptações”, explica a diretora Larissa Benini. A entrada é gratuita.

O espaço tem capacidade para 30 pessoas e a peça é caracterizada por ser realista, fazendo parte do projeto Quarta Cultural, quando a cada quarta-feira acontece ora filme, ora música, ou ainda mostra de textos poéticos das escolas literárias em mural de poesia, além, é claro, da leitura dramatizada de peças que marcaram época. Tudo promovido por agentes culturais da Escola de Artes, realizando-se no prédio da fundação. Para a realização desses trabalhos, são envolvidos os alunos de artes cênicas da Escola de Artes e também os de música do Conservatório Macaé de Música.

A Gaivota

A Gaivota, de Tchekhov fracassa na estréia em São Petersburgo, em 1895, talvez incompreendida por uma platéia em choque. Na terceira sessão, dois dias depois, a montagem é ovacionada. Os temas que emergem do universo ao redor do lago, das vidas passivas em aparência de seus personagens, são universais, atemporais.

Na criação coletiva nada é raso como uma poça de café derramado – transposição: é lago profundo e escuro de superfície tensionada entre o ar e a vida indecifrável por dentro. O espírito do mundo ansiado pelo jovem Treplev.

E tudo é provocação, do que se vê para o que não se vê, mas sabe-se lá: do café ao lago. E toda a palavra também é provocação, como o queria Tchekhov ao definir “A Gaivota” como uma comédia.

A palavra nos chega em polifonia (processo de composição musical sinfônica) e simultaneidade. O jogo orgânico permite muitas vozes que se revelam uma só voz. Três personagens mulheres, seis homens, uma paisagem. Acrescento à definição do próprio dramaturgo: toda a intensidade possível para fazer emergir do branco a vida.

Se há muitas vozes em Tchekhov, há muitas leituras possíveis de seus temas: conflito entre o novo e o cristalizado na tradição, embate de gerações, o tempo, a própria literatura, a criação artística e sua inviabilidade, a pequenez das existências imóveis, a consciência dessa imobilidade, a autodeterioração inclemente, o amor e sua medida humana.

Nas vozes de cada personagem, um médico, aspirante a escritor, autor consagrado, velho que descobre diante da morte sua não realização em vida, uma mulher presa à glória do passado, jovem perdida em miragens de futuro, e o luto da consciência de sua própria existência em estado de não-vida. A dança dos atores na troca de papéis torna cada personagem outros tantos.

Na voz de Tchekhov, a voz de cada ator em sua fragilidade humana exposta. E o que permanece neles é o desejo da criação e a consciência de sua inviabilidade. Ao tratar da criação através da literatura Tchekhov vai além: está falando do próprio paradoxo da arte, da realização artística, falando de si mesmo.