Com o objetivo de delimitar a área do sítio arqueológico da Ilha de Santana para que a secretaria de Meio Ambiente (Semma) elabore o plano de manejo, a professora do departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, Tânia Andrade Lima coordenou visita à ilha esta semana, junto com equipes da Semma e da secretaria de Acervo e Patrimônio Histórico (Semaph). Na década de 80, foram descobertos na ilha cinco esqueletos pré-históricos, de primitivos que habitaram a ilha no século VII DC. Além disso, foram encontrados restos mortais de um escravo, que lá esteve no período colonial.
O sítio ocupa área de 500 metros quadrados na ilha. Através de datação radiofônica, foi possível concluir a idade do material encontrado. Segundo a professora Tânia, a ocupação no século VII era densa, sendo constituída por pescadores, que também se alimentavam de cracas, ouriços e moluscos. “Os estudos mostram que vinham pouco ao continente. Ficavam sediados basicamente na ilha”, explica. Após nove séculos, quando os portugueses chegaram, o grupo não estava mais lá.
No período colonial, a ilha foi local de rota para galeões com escravos, que iam a Cabo Frio. “Houve comércio clandestino de negros. As escavações arqueológicas encontraram, além de esqueleto de um escravo, objetos associados a grupos afro, como por exemplo, cachimbos de barro. Também foram descobertas balas de canhão e panelas, provando a presença de pessoas no local, no século XVIII.
Um dos esqueletos encontrados foi de um bebê recém-nascido. Foi escavada apenas uma parte do sítio, ficando o restante intacto para que gerações futuras tenham o direito de conhecer o passado remoto de Macaé. “Essa consciência e o respeito ao plano de manejo são fundamentais para preservar a memória da cidade”, afirma a professora.
De acordo com a bióloga Erica Steagall, coordenadora da unidade de conservação da Semma, que também esteve na visita à ilha, o plano de manejo consiste em promover a preservação ambiental (flora, fauna e sítio arqueológico) da ilha de Santana. O trabalho também visa organizar e regulamentar o uso e a ocupação do solo, em parceria com o primeiro distrito naval, a Semaph, o Museu Nacional da UFRJ e a Macaé Tur.
- É necessário que se regulamente o solo para fins turísticos, mostrando aos visitantes o que pode e o que não pode na ilha, afirmou o secretário de Meio Ambiente, Fernando Marcelo, lembrando que na área delimitada apenas pesquisas cientificas poderão ser feitas.
Ele disse ainda que em médio espaço de tempo, a ilha deixará de ser administrada pela Marinha e passará a ser gerenciada pela prefeitura. O assunto está em negociação. “Por isso, todos estes trabalhos de visitas ao arquipélago estão acontecendo, para que não haja impactos ao meio ambiente, quando for permitido o acesso de turistas ao local”, comentou.
Como tudo começou
A descoberta aconteceu entre os anos de 1980 e 1981, quando a Petrobras abriu trincheira na ilha de Santana para a instalação de oleoduto. Os operários encontraram um esqueleto e, assustados, pensaram que a causa fora homicídio. Imediatamente, contataram o delegado da época.
Esclarecido e conscientizado, o delegado percebeu que se tratava de material antigo e acionou o grupo de pesquisadores da UFRJ, liderados pela professora Tânia. Em Macaé, ela ficou pesquisando durante vários anos até concluir todos os estudos. Sua monografia de doutorado, intitulada “Dos Mariscos aos Peixes: Um Estudo Zoo Arqueológico de Mudança de Subsistência na Pré-História do Rio de Janeiro” foi inspirada e baseada nos trabalhos na ilha macaense.
Segundo ela, a presença do homem no continente americano acontece há 12 mil anos. Na ilha de Santana, há 1.300 anos, os habitantes comiam tudo, sem cultivar, plantar ou repor. Havia abundância de peixes. Restos de aves, cobras e ouriços mostravam a alimentação deste grupo. Ela disse ainda que eles vieram à ilha, por causa da vontade de manter hábitos marítimos, pois gostavam desta vida.
O papel da Semaph
Conforme disse a pesquisadora da secretaria municipal de Acervo e Patrimônio Histórico, Conceição Franco, que também participou da ida à ilha, o objetivo da Semaph é fazer levantamento histórico do Arquipélago de Santana. “Temos acervos (fontes inéditas) que ainda não foram estudados”, afirmou. Entre os registros relacionados estão a literatura dos viajantes Couto Reys, em 1785, e Saint-Hilaire, em 1817. Eles narraram sobre a ilha – local de refúgio e contrabando de pau Brasil e de escravos. “Também temos gravura de Paul Haring, mostrando desembarque de escravos no local, em 1842, conta ela.
A Semaph tem um programa intitulado “Macaé em Fontes Primárias”, cuja finalidade é digitalizar todas as fontes primárias relacionadas à história do município. “Vamos estudá-las e construir banco de dados, disponibilizando o material para pesquisas e trabalhos de historiadores da cidade”, destaca Conceição.
Ela disse, que para a realização de tudo isso, haverá trabalho de equipe da Semaph, formada por historiadores, fotógrafos e técnicos de informática. Eles serão auxiliados por alunos da Fundação Educacional de Macaé (Funemac), que irão apoiar a construção e a alimentação do banco de dados. “Em troca, eles serão treinados em paleografia”, disse a pesquisadora.
Para o secretário de Acervo e Patrimônio Histórico, professor Ricardo Meirelles, o sítio arqueológico muda a questão da pré-história brasileira, uma vez que apenas se tem valorizado a ocupação após o século XV. “Agora temos referências longínquas, principalmente com a descoberta de cavernas, habitadas por homens pré-históricos no Nordeste brasileiro. As descobertas em nossa cidade também foram muito importantes para o conhecimento da pré-história brasileira”, conclui.