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‘A literatura brasileira hoje é urbana e se refugia dentro da informática’, afirma Ignácio de Loyola Brandão

19/04/2007 11:13:47 - Jornalista: Janira Braga

Representante do boom do movimento editorial brasileiro de meados da década de 70 e escritor de romances e contos dotados de um realismo feroz, o pós-modernista Ignácio de Loyola Brandão afirmou nesta quarta-feira (18) que a literatura brasileira de hoje é urbana e se refugia dentro da informática. A declaração foi feita durante a entrega de 193 obras literárias para a Biblioteca Pública Municipal Télio Barreto, dentro do projeto TIM Grandes Escritores.

Os livros, de Zuenir Ventura, Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti, além de Loyola, foram reforçados com títulos do modernista Guimarães Rosa, em comemoração aos 50 anos do clássico “Grande Sertão Veredas”. A presidente da Fundação Macaé de Cultura, Ivana Mussi, agradeceu a doação e destacou a importância do acesso à literatura para crianças, jovens e adultos. “Esta entrega de livros para a biblioteca vem em um momento importante para a literatura do município, quando comemoramos 66 anos de trabalho de estímulo à leitura e à cultura”, ressaltou Ivana, lembrando que a Fundação também descentraliza o acesso às obras literárias, levando obras para os bairros durante as edições do projeto “Bairro Cidadão”.

Ignácio de Loyola analisou que a literatura brasileira contemporânea continua saudável, com bons criadores e escritores, e é uma literatura diferente. "A minha geração tinha pela frente um inimigo comum, que era a ditadura. Mas não usávamos a literatura para combater porque o livro não é arma e não põe arma na mão de ninguém. Minha geração foi muito empenhada politicamente. Isso não quer dizer que nossos livros fossem panfletos, eles apenas mostravam a situação do Brasil. Hoje você tem liberdade, cada um escreve o que quer e temos uma série de autores de até 50 anos que fazem uma literatura que mostra este país globalizado, informatizado, esse país às vezes confuso, que deixa as pessoas perplexas, esse país que elegeu pessoas esperando que houvesse grandes mudanças e se decepcionou e uma literatura fundamentalmente urbana e que se refugia dentro da informática", destacou o escritor.

O sistema editorial brasileiro foi avaliado por Loyola como o mesmo praticado há 50 anos, com tiragem de dois a três mil exemplares, o que deixa a obra mais cara. “E o que o jovem hoje faz? Vai para o blog, para o fanzine e faz os próprios livros no computador. Hoje é muito fácil fazer um livro no computador. Muitas vezes chego em um lugar, vem uma pessoa vendendo um livro, eu compro o primeiro, vem o segundo, eu compro o livro. Compro dezenas de livros e faço com prazer porque é tão bonito o ideal, o romantismo e estamos desafiando este país tecnologicamente avançado. A livraria ainda funciona esperando que as pessoas entrem lá dentro”, disse.

‘Auto-ajuda é eficaz para ajudar o autor a ficar rico’

A pseudo-literatura praticada por escritores-gurus que encabeçam as listas de best-sellers foi criticada pelo escritor. “É uma literatura comercial. O livro de auto-ajuda é imensamente eficaz para ajudar o autor a ficar rico. Livros do tipo ‘Como ganhar na mega-sena’, ‘Mulheres brilhantes ficam milionárias’ são para ganhar dinheiro. Isso não é literatura, é uma armadilha. Inclusive isso é mal escrito. Auto-ajuda é um filão de malandragem porque as pessoas andam desesperadas e angustiadas”, observou.

Ignácio de Loyola comentou ainda que este tipo de livro – auto-ajuda, esotéricos e outros que apresentam respostas prontas para problemas universais – é uma característica pós-moderna mundial, que reflete a busca do homem pela felicidade. “O homem está preocupado em ser feliz, mas não sabe o que é felicidade. A felicidade hoje em dia se baseia na posse. Quanto mais você atende as tendências do momento, você é mais feliz. E felicidade é algo interior. Como o mundo está em um rumo muito estranho e errado, não dá para ter felicidade. Felicidade não é ganhar o Big Brother. Ganhar o Big Brother às vezes trás muito mais infelicidade porque depois ele tem que manter aquela fama, mas não vai manter porque ele é medíocre. Todos que ganharam são medíocres e ficaram por um instante célebres, mas eles vão desaparecer”, disse o autor, com a bagagem de quem escreveu um livro sobre o tema, “O anônimo célebre”.

Para o escritor, não é a alta literatura que combate este tipo de livro, mas a estrutura cultural ao redor. “Temos que ter educação, formação da mentalidade para assimilar o que a alta literatura trás. Quem vai receber são pessoas preparadas. Hoje não existem tantos leitores porque a formação do leitor começa na escola, já que são poucos pais que levam o filho para a leitura. Hoje, classe baixa não compra livro, classe média compra a ‘Caras’, a ‘Quem’, a ‘Isto é Gente’. Mas a boa literatura continua a existir”, ponderou.

A democratização literária com o conto de Loyola

Paulista de Araraquara, Ignácio de Loyola Brandão é autor de obras como “Cadeiras Proibidas”, “Não verás país nenhum”, “O beijo não vem da boca”, “Pega ele, silêncio”, entre outros títulos importantes para a literatura brasileira. Loyola passou a ser conhecido pelo mercado editorial na década de 70, quando o conto tornou-se um gênero dominante na época – fase do boom do movimento editorial.

- Nos anos 70, tivemos no Brasil uma avalanche de contistas, principalmente mineiros, também secundados por contistas paranaenses. Naquela época existia concurso de contos do Paraná que dava um prêmio muito bom em dinheiro e que publicava os livros, o que atraia as pessoas. Além disso, tinha uma série de revistas que publicavam contos, como ‘Ficção’, ‘Escrever’, ‘Cláudia’, ‘Vogue’. Então o conto encontrava abrigo em várias publicações. Depois aconteceu um recuo porque não tinha mais onde publicar, os próprios jornais pararam de publicar – lembrou.

Loyola conta que em meados dos anos 90, houve uma retomada dos contos brasileiros, com novos escritores e o que ele classificou como “velha geração”. “Em 99, após muito tempo sem publicar livros de contos, eu publiquei ‘O homem que odiava segunda-feira’ porque o conto é um instante da literatura. O romance exige um longo período de preparação e produção. O conto não, ele que vem à cabeça e é feito em um dia, uma semana ou um mês, mas é muito mais veloz. E o conto te dá tanta satisfação quanto um romance ou uma crônica”, afirmou o escritor, mostrando toda a concepção de vanguarda estética e plural que marca sua literatura.