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Grupo Capazes, Iguais e Idealistas, do Caps Betinho, na peça Maluco não!
Na segunda edição do “Diálogos em Saúde Mental – é conversando que a gente se entende”, evento promovido pela Associação de Parentes, Amigos e Usuários da Saúde Mental de Macaé (Aspas), em parceria com a Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal, foi abordado o trabalho do Teatro do Oprimido com usuários do Caps Betinho. O encontro aconteceu nesta segunda-feira (26), no auditório do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF).
Tema mais que pertinente para o encontro, como afirma a psicóloga da Aspas Regina Celi, uma das coordenadoras do evento, desde que o Teatro do Oprimido entrou na vida destas pessoas, os períodos de depressão diminuíram, a adesão ao tratamento aumentou e a vontade de viver ressurgiu: “Além de estarem muito mais instrumentalizadas para lidar com as situações, ficando mais sociáveis, para lidar com a agressividade”.
“Eu não quero ser chamado de maluco”, enfatiza com veemência o Grupo Capazes, Iguais e Idealistas, que se apresentou no encontro com a peça “Maluco Não!”. Tema encenado a partir dos conflitos e problemas diários que vivenciam estas pessoas, o cenário, as músicas e figurinos foram realizados pelos próprios participantes.
Abordando preconceitos que enfrenta diariamente o portador de transtorno mental - como a criança que implica e taca pedra; ou o familiar que não consegue entender e respeitar a individualidade daquela pessoa – a peça teatral chega ao fim com a plateia participando e intervindo, para tentar resolver aquele problema ou sugerir uma outra realidade.
“A plateia entra para dialogar com aquela realidade colocada de forma teatral. Assim, cada intervenção é única. Isto é, a plateia entra no papel do personagem, intervindo de forma diferenciada”, quem esclarece é o musicoterapeuta do Caps Betinho, Nelson Falcão Cruz, capacitado pelo Ministério da Saúde na técnica do Teatro do Oprimido, também chamado de Teatro Fórum.
- A parceria estabelecida há cinco anos entre o Centro de Teatro do Oprimido e o Ministério da Saúde, por intermédio do Fundo Nacional de Saúde, para capacitação e acompanhamento de profissionais da área de saúde mental do SUS nas técnicas do Teatro do Oprimido, tem levado a transformações políticas e a uma relação mais humana entre os pacientes, seus familiares, estes profissionais e a sociedade -, disse.
Nelson Cruz ainda informa que, até hoje, mais de 250 profissionais já foram capacitados e estão aplicando as técnicas do Teatro do Oprimido em hospitais psiquiátricos e centros de atendimentos.
Participam do Grupo Capazes, Iguais e Idealistas 11 pessoas com transtornos mentais graves, como psicóticos e esquizofrênicos, que fazem tratamento no Caps Betinho. O objetivo principal é sensibilizar as plateias para a opressão que sofrem. Assim começa o fórum. A plateia fala e se coloca no lugar do agredido.
Para Edson, há nove anos em tratando no Caps Betinho, participar do teatro ajuda em tudo: “Antes eu era muito tímido, tinha receio de me expressar em público e até mesmo em casa”, e propõe: “Com apoio, a gente chega muito longe. Somos capazes e aqui mostramos isso para quem nos assiste.”
Um dos esquetes apresentados na peça teatral conta um pouco da história de Cátia, interpretada por ela mesma. O grupo diz querer se apresentar no bairro dela para ver se diminui o problema. Cátia, mesmo falando que faz tratamento no Caps Betinho e que nunca mais foi internada, além de trabalhar, tem dificuldade de convencer moradores que ficam chamando-a de maluca e de convencer também parentes de sua capacidade para cuidar do filho. Cátia diz:
- São três anos fazendo tratamento no Caps, lutando contra o preconceito que as pessoas têm contra o transtorno mental. As pessoas querem nos isolar, mas queremos acabar com este preconceito; queremos ser respeitados. Não queremos e não aguentamos mais ser chamados de doidos!
A nova onda da saúde mental
A troca de experiências entre o Teatro do Oprimido e a Saúde Mental não é recente, nem restrita ao território nacional. Desde os anos 80, na França, em Cherbourg, profissionais da área de psiquiatria trabalham com as técnicas do Teatro do Oprimido. O mesmo acontece em Bradford, Salford e Hebden Bridge na Inglaterra. No Brasil, o método começou a ser aplicado nos anos 1990.
A partir de 2008 o projeto se transformou no programa Teatro do Oprimido na Saúde Mental, patrocinado pelo Ministério da Saúde, por intermédio do Fundo Nacional de Saúde, atua nos Centros de Atenção Psicossociais – CAPS e Unidades Básicas de Saúde – UBS dos Estados (pólos) de São Paulo, Rio de Janeiro e Sergipe.
Quando se fala em profissionais da saúde mental, pensa-se nos médicos, enfermeiros e psicólogos, mas não apenas estes são capacitados e também beneficiados com as técnicas do Teatro do Oprimido, também os técnicos em enfermagem, seguranças, porteiros, pessoal da limpeza e cozinha, músico terapeutas, terapeutas ocupacionais, ou seja, todos aqueles que têm maior ou menor contato com os usuários da saúde mental e seus familiares. Ao que parece, a eficácia do Teatro do Oprimido na Saúde Mental se dá justamente porque todos participam.
“Mas cadê o resultado?
Segundo o teatrólogo Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, falecido no dia 2 de maio de 2009, o que se busca neste trabalho é desenvolver as capacidades estéticas que todos os indivíduos têm, com o objetivo de que eles analisem os problemas do presente, usando a experiência do passado, para inventar o futuro.
“Numa sociedade em que se procura excluir o diferente, inventar o futuro é mais do que necessário. Nós temos medo dos diferentes, mas quando a gente se olha no espelho e diz ‘este sou eu’, está dizendo que é diferente. Portanto, diferentes somos todos nós. Por isso, sentimos medo e angústia com a exclusão daqueles diferentes que são tão semelhantes a nós mesmos”, afirma Boal. “A gente trabalha sobre a possível superposição entre o delírio patológico e o delírio artístico, e o uso dos ritmos na criação de diálogos e de estruturas sociais. O teatro em geral já é uma forma delirante de arte. A gente já fez algumas experiências muito lindas. Às vezes as pessoas perguntam: “Mas cadê o resultado?”. O resultado é que em muitos desses CAPS o consumo de medicação tem reduzido. O teatro não cura, tranquiliza e dá mais um pouco de felicidade para as pessoas, para não ficarem tão angustiadas”, conclui.
Dezessete milhões de brasileiros sofrem de transtorno mental grave
Segundo pesquisa recente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 17 milhões de pessoas, ou 9% da população brasileira, sofrem de transtorno mental grave. Os mais acometidos por essas doenças são os indivíduos de classe social baixa, pouca escolaridade e moradores das periferias das cidades. E ainda: 12,6% dos brasileiros entre seis e 17 anos já apresentam sintomas de transtornos mentais importantes. Isso equivale a dizer que cerca de cinco milhões de crianças e adolescentes sofrem de algum distúrbio psicológico. Deste total, aproximadamente três milhões têm sinais de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o transtorno psicológico mais frequente na garotada.
Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que os distúrbios do humor afetem cerca de 20% da população mundial e a cada ano são registrados dois milhões de novos casos. Em 2020, a depressão será o principal transtorno mental a atingir moradores dos países em desenvolvimento, como o Brasil.